Biotecnologia na Agricultura: O Guia Completo para o Produtor Moderno

Rayssa Fernanda dos Santos
Engenheira agrônoma, mestre e doutora na linha de pesquisa de sementes.
Biotecnologia na Agricultura: O Guia Completo para o Produtor Moderno

Índice

Plantas mais nutritivas e lavouras mais resistentes ao ataque de pragas já são uma realidade no campo. Isso só é possível graças ao avanço da biotecnologia na agricultura.

Essa tecnologia está muito mais próxima do seu dia a dia do que parece e não para de evoluir. O objetivo é criar soluções mais sustentáveis para os problemas da lavoura e para os desafios de alimentar o mundo que estão por vir.

Atualmente, dezenas de produtos com biotecnologia estão em desenvolvimento e devem ser lançados em breve, como a soja tolerante à seca. Quer entender melhor como tudo isso funciona e conhecer as novidades que vêm por aí? Continue a leitura!

O que é biotecnologia, afinal?

De forma simples, o conceito de biotecnologia é a união da biologia com a tecnologia. Trata-se de um conjunto de técnicas que utiliza organismos vivos, ou partes deles, para desenvolver produtos ou melhorar processos.

Embora muitos pensem que a biotecnologia é algo recente, ela está presente em nosso cotidiano há milhares de anos. A biotecnologia surgiu por volta de 1.800 a.C., quando nossos antepassados começaram a usar microrganismos para os processos de fermentação, essenciais para produzir vinhos, pães, queijos e cervejas.

Com o passar dos séculos, essa técnica foi aprimorada e ganhou espaço em diversas áreas, como medicina, farmácia e, claro, a agricultura.

O grande salto aconteceu quando os pesquisadores descobriram que podiam manipular o material genético dos organismos, conhecido como DNA: o “manual de instruções” de todo ser vivo.

Como a teoria vira prática?

A biotecnologia veio para revolucionar diversos setores. Com ela, os pesquisadores podem “editar” o DNA de uma planta ou de um microrganismo. Na prática, isso permite retirar ou acrescentar uma característica importante, como a resistência a uma doença ou a tolerância à falta de água. De modo geral, a técnica moderna foca principalmente no uso estratégico do DNA.

infográfico em formato de mapa mental que ilustra as diversas aplicações da biotecnologia. No centro, uma elips

Principais produtos da biotecnologia. (Fonte: Embrapa)

Manejo Integrado de Pragas (MIP)

Agora, vamos entender como essa técnica é aplicada e por que ela é tão importante para a agricultura.

A importância da biotecnologia na agricultura

A biotecnologia ganhou um lugar de destaque no agronegócio por um motivo principal: tornar a produção mais eficiente e segura. Estudos nessa área permitem aos cientistas identificar e selecionar genes de interesse, que são partes do DNA responsáveis por características agronômicas desejáveis.

Alguns exemplos práticos dessas características são:

  • Tolerância a climas adversos, como seca ou calor excessivo.
  • Resistência a doenças e pragas.
  • Melhor aproveitamento de nutrientes do solo.

O objetivo final é sempre reduzir perdas na lavoura e alcançar altas produtividades de forma mais sustentável.

Na prática, a biotecnologia, junto com a engenharia genética, já desenvolveu soluções que você provavelmente utiliza em sua fazenda. É o caso das plantas tolerantes a herbicidas, como a famosa soja RR, e das plantas resistentes a insetos, como as que usam a tecnologia Bt.

Essa capacidade de criar novas características nos leva a um dos principais resultados da biotecnologia: os organismos geneticamente modificados (OGMs).

Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) – Os Transgênicos

Os organismos geneticamente modificados, mais conhecidos como transgênicos, são os principais frutos da biotecnologia moderna. Eles foram criados para solucionar problemas práticos do dia a dia no campo.

[Transgênico]: significa um organismo que recebeu um ou mais genes de outra espécie para adquirir uma nova característica que não possuía naturalmente.

Os benefícios que eles trazem para a lavoura são muitos:

  • Maior produtividade: plantas mais fortes e protegidas produzem mais.
  • Maior qualidade dos produtos: grãos e fibras com melhores características.
  • Maior rentabilidade: a soma dos benefícios resulta em mais lucro para o produtor.
  • Facilidade no manejo: simplifica o controle de plantas daninhas, pragas e doenças.

Essa facilidade de manejo se reflete em menos aplicações de herbicidas, inseticidas e fungicidas, o que ajuda a preservar o meio ambiente, reduz custos e otimiza o tempo de trabalho.

O algodão, por exemplo, é uma cultura que historicamente exige muitas aplicações de produtos químicos. O número de pulverizações pode chegar a 20 aplicações por safra. O uso da tecnologia Bt no algodão facilitou muito o Manejo Integrado de Pragas (MIP), diminuindo a necessidade de aplicar inseticidas.

Estudos realizados na China mostraram que, em alguns casos, essa tecnologia pode reduzir a aplicação de inseticidas em até 67%. Quando bem manejados, os cultivos transgênicos também ajudam a diminuir as perdas de produção no campo.

É importante lembrar que, antes de chegar até você, produtor, todos os produtos transgênicos passam por inúmeros testes rigorosos, tanto no campo quanto em laboratório, para avaliar sua eficiência e segurança.

uma espiga de milho saudável e amarela, ainda na planta, com um céu azul ao fundo. Sobre a espiga, uma lupa é(Fonte: Tecnologia Cultura)

Biossegurança: A Garantia de que a Tecnologia é Segura

Depois de passar por todos os testes científicos, os produtos transgênicos precisam ser aprovados legalmente. No Brasil, a Lei nº 11.105/05 é a que regulamenta todas as atividades com biotecnologia, incluindo as plantas transgênicas.

Essa lei estabelece que um transgênico deve ser obrigatoriamente testado desde a sua descoberta no laboratório até a sua liberação como um produto comercial.

Todo esse processo leva, em média, 10 anos para ser concluído. O objetivo é garantir que o produto seja seguro para a produção de alimentos, para o consumo humano e animal, e também para o meio ambiente.

Essas etapas criteriosas são supervisionadas pela CTNBio.

[CTNBio]: significa Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. É um grupo de pesquisadores e especialistas de todo o país que avalia se um OGM é seguro.

A Comissão analisa cada detalhe do organismo geneticamente modificado, observando suas vantagens, desvantagens e possíveis impactos na saúde humana, animal, no meio ambiente e na agricultura. Somente após a análise e aprovação da CTNBio é que um produto transgênico pode ir para o mercado.

fluxograma detalhado que ilustra o processo de monitoramento pós-liberação comercial de Organismos Genetica(Fonte: CTNBio)

O Cuidado Necessário: O Risco da Resistência

Apesar de todas as vantagens, essas tecnologias, quando utilizadas sem planejamento, podem se tornar uma dor de cabeça no campo.

Um exemplo clássico é o uso da soja RR, que permite aplicar o herbicida glifosato para controlar as plantas daninhas da soja. Com a popularização dessa tecnologia, muitos produtores passaram a usar apenas o glifosato em seu manejo, sem fazer a rotação de produtos com diferentes mecanismos de ação.

O resultado? A seleção de inúmeras plantas daninhas resistentes ao glifosato, que hoje são um grande desafio em muitas regiões.

Por isso, o uso de qualquer tecnologia deve ser feito de maneira consciente e integrada a boas práticas agrícolas, para não selecionar organismos resistentes e garantir a longevidade da ferramenta.

Próximos avanços da biotecnologia na agricultura

O desenvolvimento não para. Existem muitos outros produtos geneticamente modificados em fase de pesquisa ou já prontos para serem comercializados.

Separamos algumas das novidades que vêm por aí:

Soja tolerante à seca

A CTNBio já aprovou essa tecnologia, conhecida como HB4®. No entanto, o lançamento comercial no Brasil ainda depende da aprovação dos principais países que compram a soja brasileira.

Além da característica de tolerância à seca (HB4®) sozinha, também foi aprovado um evento que combina a tolerância à seca com a tolerância ao herbicida glifosato. O processo de registro dessas novas variedades já está em andamento.

Esse avanço permitirá que os produtores de soja protejam a produtividade mesmo sob condições de estresses climáticos, como veranicos, trazendo maior estabilidade para o cultivo.

Algodão: WideStrike 3

Essa tecnologia, também já aprovada pela CTNBio, foi lançada comercialmente pela empresa TMG.

É uma tecnologia focada na proteção contra insetos-praga. Ela combina três eventos diferentes:

  • As proteínas Cry1Ac e Cry1F.
  • Uma proteína inseticida vegetativa (Vip3A), todas originadas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt).

Na prática, essa combinação oferece proteção superior durante todo o ciclo da cultura do algodão, defendendo a lavoura contra uma ampla variedade de pragas importantes.

Outras tecnologias em desenvolvimento

A Embrapa também está trabalhando em diversas outras tecnologias inovadoras, como:

  • Soja Cultivance: resistente a herbicidas do grupo das imidazolinonas (inibidores de AHAS).
  • Plantas sem sementes: um método para produzir frutas sem sementes.
  • Plantas inseticidas: desenvolvimento de plantas transgênicas que produzem suas próprias proteínas para se defender de insetos.
  • Maior tolerância a estresses: criação de plantas transgênicas mais tolerantes à falta de água (déficit hídrico) e ao excesso de sal no solo (estresse salino).
  • Biocontrole de insetos: novos métodos para usar organismos vivos no controle de pragas.
  • Soja com óleo especial: método para produzir soja com uma composição de óleo diferenciada na semente, para fins industriais ou de saúde.

Nesta página da Embrapa, você pode acompanhar essas e outras novidades que estão sendo estudadas e podem chegar em breve à sua lavoura!

Conclusão

A biotecnologia é uma peça-chave na agricultura moderna e uma forte aliada para quem busca altas produtividades com mais sustentabilidade.

Neste artigo, mostramos o que é a biotecnologia, desde suas origens até as aplicações avançadas que transformam o dia a dia no campo.

Você também entendeu a importância da biossegurança, que garante o uso seguro dessas ferramentas, e conheceu algumas das novas tecnologias que em breve estarão disponíveis para tornar sua lavoura ainda mais eficiente e rentável.

Controle da cigarrinha-do-milho

Glossário

  • Biossegurança: Conjunto de normas e procedimentos que garantem a segurança de produtos biotecnológicos para a saúde humana, animal e o meio ambiente. É o processo que avalia se uma nova planta transgênica, por exemplo, pode ser liberada para cultivo e consumo sem riscos.

  • CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança): Órgão brasileiro formado por especialistas que analisa e aprova a segurança de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). É a CTNBio que autoriza a comercialização de uma nova tecnologia transgênica no país.

  • DNA (Ácido Desoxirribonucleico): Molécula presente nos seres vivos que carrega suas informações genéticas. A biotecnologia moderna “edita” o DNA para inserir ou modificar características em uma planta, como a resistência a uma praga ou tolerância a herbicidas.

  • Glifosato: Princípio ativo de um dos herbicidas mais utilizados na agricultura para o controle de plantas daninhas. Culturas como a soja RR são geneticamente modificadas para serem tolerantes à aplicação de glifosato.

  • MIP (Manejo Integrado de Pragas): Estratégia que utiliza múltiplas táticas de controle (biológico, cultural, químico, etc.) para manter as pragas em níveis que não causem danos econômicos. O uso de plantas com tecnologia Bt é uma ferramenta importante dentro do MIP.

  • OGM (Organismo Geneticamente Modificado): Um ser vivo que teve seu material genético (DNA) alterado em laboratório, geralmente recebendo um gene de outra espécie. Também conhecido como transgênico, é desenvolvido para obter uma característica desejada, como a resistência a insetos.

  • Tecnologia Bt: Refere-se a plantas que receberam um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt). Esse gene faz com que a planta produza uma proteína tóxica para certas lagartas, funcionando como um inseticida embutido na própria cultura.

Potencialize os ganhos da biotecnologia com uma gestão eficiente

A biotecnologia oferece ferramentas poderosas para facilitar o manejo e proteger a produtividade, mas o sucesso a longo prazo depende de uma gestão bem planejada. Evitar a resistência de pragas e plantas daninhas e garantir que o investimento em sementes tecnológicas se traduza em maior rentabilidade são desafios que exigem controle preciso.

É aqui que um software de gestão agrícola faz a diferença. Ferramentas como o Aegro permitem registrar e planejar todas as atividades no campo, facilitando a rotação de defensivos e a implementação de um Manejo Integrado de Pragas (MIP) eficaz. Ao mesmo tempo, o sistema centraliza o acompanhamento de custos de produção, mostrando de forma clara o retorno sobre o investimento em cada tecnologia e ajudando a otimizar o uso de insumos.

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Perguntas Frequentes

Qual a diferença entre biotecnologia e um produto transgênico (OGM)?

A biotecnologia é um campo amplo de técnicas que usam organismos vivos para criar ou modificar produtos. Um transgênico (ou OGM) é um resultado específico da biotecnologia moderna, onde um gene de outra espécie é inserido em uma planta para lhe conferir uma nova característica. Portanto, todo transgênico é fruto da biotecnologia, mas nem toda aplicação biotecnológica resulta em um transgênico.

Os alimentos derivados de plantas transgênicas são seguros para o consumo?

Sim. Antes de serem liberados no mercado, todos os produtos transgênicos passam por uma rigorosa avaliação de segurança que dura, em média, 10 anos. No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) analisa todos os possíveis impactos na saúde humana, animal e no meio ambiente, garantindo que o consumo seja seguro.

Como a tecnologia Bt protege a lavoura contra o ataque de pragas?

A tecnologia Bt insere um gene da bactéria Bacillus thuringiensis no DNA da planta. Esse gene faz com que a planta produza uma proteína específica que é tóxica apenas para certos grupos de insetos, como as lagartas. Quando a praga se alimenta da planta, a proteína danifica seu sistema digestivo, levando-a à morte e protegendo a lavoura de forma contínua e específica.

Por que é tão importante evitar o uso repetido do mesmo defensivo em lavouras transgênicas?

O uso contínuo de um mesmo defensivo, como o glifosato na soja RR, cria uma forte pressão de seleção sobre as plantas daninhas. Isso faz com que indivíduos naturalmente resistentes sobrevivam e se multipliquem, tornando a tecnologia ineficaz ao longo do tempo. A rotação de produtos com diferentes mecanismos de ação é fundamental para quebrar esse ciclo e preservar a eficácia da biotecnologia.

A biotecnologia é uma ferramenta acessível apenas para grandes produtores rurais?

Não, a biotecnologia beneficia produtores de todos os portes. Sementes com tecnologias como tolerância a herbicidas e resistência a insetos estão amplamente disponíveis no mercado. Embora o custo inicial da semente possa ser maior, a economia com defensivos e a proteção da produtividade geralmente resultam em um bom retorno sobre o investimento, tornando-a viável para pequenas e médias propriedades.

Quais os próximos avanços da biotecnologia além da resistência a pragas e herbicidas?

As pesquisas futuras da biotecnologia focam em desafios como as mudanças climáticas e a nutrição. Estão em desenvolvimento plantas mais tolerantes a estresses como seca e salinidade do solo, culturas com maior valor nutricional (como soja com óleo especial) e plantas que aproveitam de forma mais eficiente os nutrientes do solo.

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